Abandono de incapaz e estupro de vulnerável: a responsabilidade de quem cuida sob a ótica do Direito Penal
Introdução
O presente artigo aborda um caso recente ocorrido em Belo Horizonte, que envolve a conduta de uma pessoa responsável por cuidar de alguém em estado de vulnerabilidade e os delitos de abandono de incapaz e estupro. Esse trágico incidente ressalta a importância de analisar as responsabilidades legais daqueles que assumem o papel de cuidadores, especialmente quando o protegido se encontra em estado vulnerável.
O caso e a combinação de crimes
No evento em questão, uma jovem de 22 anos foi abandonada, de madrugada, na porta de sua casa após consumir bebidas alcoólicas em um show no Mineirão. De acordo com relatos, amigos chamaram uma pessoa de confiança que a levou para sua casa. Ao chegar, após alguns minutos tentando contato na residência, esta pessoa a retirou do veículo e, mesmo com a jovem inconsciente, a deixou na calçada e foi embora.
Infelizmente, durante esse período de vulnerabilidade, a jovem foi vítima de estupro, praticado por um homem que passou pelo local e a levou para um local escondido. Dessa forma, surge o questionamento sobre a possível responsabilidade criminal da pessoa que deixou a jovem em situação de vulnerabilidade.
A conduta desta pessoa pode ser enquadrada no crime de abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do Código Penal Brasileiro, que estabelece o seguinte:
Artigo 133: Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena: detenção, de seis meses a três anos. Aumento de pena § 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
É importante destacar que, considerando a forma como ocorreu o caso e o local em que a jovem foi abandonada, é perfeitamente possível considerar a causa de aumento de pena de abandono em local ermo, pois, em locais com pouco movimento, o risco a que a vítima é submetida acaba sendo maior. Assim, a conduta da pessoa responsável torna-se ainda mais grave.
Pelos relatos iniciais, a vítima, devido ao seu estado de embriaguez, estava incapaz de se defender ou tomar decisões conscientes, tornando-se suscetível aos diversos perigos da situação em que se encontrava.
A responsabilidade de quem cuida de pessoas em vulnerabilidade
Aqueles que assumem a responsabilidade de cuidar de alguém, principalmente quando esta pessoa se encontra desacordada ou em estado de vulnerabilidade, carregam consigo o dever de vigilância. Ao aceitar a incumbência de cuidar de alguém nesse estado, passam a ter a obrigação de garantir a segurança dessa pessoa durante o período sob sua guarda.
Nesse contexto, surge uma importante figura no Direito Penal Brasileiro: a do “garantidor”. O artigo 13, § 2º, do Código Penal afirma que: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”. Isso significa que, se alguém tem a responsabilidade de evitar um dano ou perigo a outra pessoa e não o faz, essa omissão pode ser considerada um crime, especialmente quando a pessoa concordou em assumir esse encargo de cuidado.
Para simplificar, imagine que se você se compromete a cuidar de alguém e, por negligência, não toma as medidas necessárias para proteger essa pessoa, você pode ser responsabilizado por não cumprir seu dever. O Direito reconhece a gravidade da sua omissão porque você tinha a capacidade e a obrigação de agir em benefício daquele que estava sob sua guarda.
No caso discutido, ao perceber que a pessoa sob sua responsabilidade estava inconsciente e desprotegida, a pessoa encarregada do cuidado, atuando como garantidor, deveria ter adotado medidas para evitar uma situação de perigo. Por exemplo, poderia ter acionado a polícia ou buscado um hospital para assegurar o devido atendimento e proteção, evitando o abandono em uma situação tão vulnerável.
É fundamental que aqueles que cuidam de pessoas em estado de vulnerabilidade estejam cientes de sua responsabilidade, do conceito de garantidor e ajam com empatia e diligência. A atenção e o cuidado prestados podem ser determinantes para a segurança e o bem-estar da pessoa sob sua responsabilidade, e essa abordagem cuidadosa é vital para garantir proteção e confiabilidade.
Conclusão
Este lamentável incidente ocorrido em Belo Horizonte nos impulsiona a uma profunda reflexão sobre a urgência de conscientizar todos aqueles que, de alguma maneira, possuem o papel de cuidar. A responsabilidade de zelar por pessoas desacordadas ou em situações de vulnerabilidade vai além de uma mera obrigação. Trata-se de uma questão humanitária, na qual cada indivíduo precisa agir com empatia, compreensão e diligência, adotando uma conduta responsável que reflete diretamente na segurança e bem-estar do próximo.
Ao aceitarmos essa responsabilidade, seja por força do dever profissional ou por vínculos familiares e afetivos, é fundamental lembrar que não estamos apenas cumprindo um papel, mas sim assumindo o compromisso moral de proteger a integridade e dignidade de outro ser humano. A negligência, neste caso, pode levar a desdobramentos trágicos e irreversíveis.
Em cenários delicados e complexos, é indispensável a prontidão em acionar as autoridades ou profissionais especializados. Eles são os mais preparados para garantir a assistência necessária, evitando que a pessoa sob cuidado seja submetida a situações de abandono ou outras formas de risco à sua integridade. Por isso, é vital que se promova o diálogo e a formação continuada acerca dessas questões, fomentando uma sociedade mais consciente e preparada para lidar com tais situações.
A conscientização e o devido cuidado são os pilares para um atendimento responsável e seguro. Eles proporcionam um ambiente onde todos possam se sentir protegidos e respeitados. Devemos, então, investir em políticas de educação e treinamento que reforcem esses valores, transformando a empatia e o respeito ao próximo em práticas cotidianas.
Assim, diante de um incidente tão grave, reforçamos a importância de olhar para o próximo com humanidade, conscientes de nossos deveres e do impacto que nossas ações podem causar na vida de outros. Em meio a essa tragédia, buscamos aprendizados que nos conduzam a uma sociedade mais justa e responsável, onde cada indivíduo compreenda a sua relevância no cuidado com o outro e atue de maneira ética, consciente e empática.
Assista ao nosso vídeo sobre o assunto: